"Sou uma mulher madura que às vezes anda de balanço
Sou uma criança insegura que às vezes usa salto alto
Sou uma mulher que balança, sou uma criança que atura."

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

E tudo o que eu sei é que às vezes dói

E então você, que há muito não me via, volta. E me revolta também, pois só lembra do seu árduo trabalho e nem ao menos se dá o trabalho de me dar um "oi" ou dizer que, assim como eu, sentiu falta de todo aquele marasmo gostoso e rotineiro dos dias que você passava por perto. No lugar do cumprimento saudoso, porém, vem o sermão. Sermão por eu não ter agido do modo exato como você queria que eu agisse. Inexato, entretanto, é o que você diz. Diz e diz e se contradiz e me deixa confusa - tudo ao mesmo tempo. Será mesmo que a arte da contradição é tão bela assim? Já não sei... E devo admitir que, pelo menos agora, não tenho cabeça para saber.

E aí você me fala dos seus problemas e reclama da sua incapacidade de controlar as contas e se livrar de uma vez por todas da vida de débitos. Débito, porém, é o que você tem comigo - mas, para variar, você não percebe. Fala e fala e reclama de tudo e de todos. Será que não percebe que já não tenho obrigação de ouvir? Será que não reconhece todo o esforço que faço para compreender o seu estresse e não te magoar? Quanto valem as lágrimas que ficam presas nas cachoeiras dos meus olhos, afinal? Menos do que as suas dívidas, aposto. E menos do que os seus problemas, também. Problemas que para você são sempre os maiores do mundo. O que você não sabe é que a única coisa que os torna tão maiores do que os meus é o fato deles serem seus e não dos outros.

E é justamente ao pensar nisso - no modo como me esforço para compreender as suas tantas explosões e palavras desmedidas provocadas pelo estresse - que eu me pergunto por que você não pode fazer isso e me ouvir calada quando sou eu quem quero explodir. Esse é o momento em que o meu auto controle mostra-se digno de inveja, se quer mesmo saber. Tenho vontade de gritar tudo o que está entre a garganta e os lábios - sempre tão fechados - e ser tão cruel quanto eu sei que consigo ser quando estou disposta a isso. Tenho vontade de jogar as mais cruéis verdades na sua cara e te fazer sofrer. Vontade de te fazer perceber que a culpa dos seus problemas não é minha, tampouco a obrigação de suportá-los. Fazer você chorar, como eu sei que conseguiria fazer, e depois rir. Rir e me orgulhar por ter finalmente conseguido abrir a boca. Mas eu não consigo. Nunca.

E, pela milésima vez em menos de duas horas, eu engulo mais uma vez todas as minhas verdades malignas e os meus desejos de vingança. Volto a adiar o momento da minha doce explosão, o momento em que eu finalmente me daria o luxo de não me importar se magoaria ou não quem está por perto - o que, convenhamos, tem se tornado a sua especialidade.

E, justamente enquanto eu estou concentrada na minha tarefa de ser benevolente, você volta a abrir a sua boca para reclamar pelo fato de eu ser tão boazinha com os outros. Com os outros? Desde quando eu sou boazinha com os outros? Aliás, sou boazinha com os outros, sim, mas não é por não fazer questão das coisas ou por não saber o valor que o seu suor sagrado tem. Não, pelo contrário. Se eu sou tão boazinha com os outros é porque pratiquei muito sendo demasiadamente boazinha com você. Sempre.

E, se quer mesmo saber, eu já nem me importo tanto assim. Depois você vem, pede desculpas e me diz que todo esse estresse é para oferecer a mim o que você tem de melhor. E eu sei que é verdade. Sei do seu amor incondicional e acho que entendo quando você diz que tem vontade de chorar, tamanha é a angústia no seu peito fraterno.

E então, como se nada tivesse acontecido, eu te mando relaxar e digo que também te amo. Como se nada tivesse acontecido, eu te perdôo. E perdôo de verdade, mesmo sabendo que no dia seguinte ouvirei tudo outra vez e mais uma vez suportarei calada - só para não te magoar - a sua língua felina e, ao contrário da minha, corajosa o bastante para explodir e tirar de dentro de você o que tem sempre ficado dentro de mim. Silenciado, mudo e triste.

E tudo o que eu sei é que às vezes dói.

***


Só por hoje, palavra, você vai ser a minha melhor amiga. E, como quem manda aqui sou eu, a recíproca vai ser verdadeira.

***

Tinha esquecido do quanto isso aqui me faz bem. Enfim, respondo os comentários quando chegar de viagem. :)